Audiência pública escuta trabalhadores da saúde e indígenas de Roraima

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O debate aberto serviu para conhecer melhor a realidade de trabalho enfrentada por agentes de saúde nas comunidades indígenas da região

A audiência pública realizada na manhã desta quinta-feira, 21, na sede do Tribunal do Estado de Roraima, organizada pela Justiça do Trabalho de Boa Vista, debateu sobre como implementar as condições de trabalho adequadas para os profissionais da área de saúde que prestam serviços em comunidades indígenas no Estado sem que haja prejuízos a cultura e costumes dos povos indígenas que habitam os locais.

O motivo principal da realização do evento foi a ação civil pública (ACP), que tramita na Justiça do Trabalho, proposta pelo Ministério Público do Trabalho em Roraima (MPT 11ª Região) contra a Organização Não Governamental (ONG) Missão Evangélica Caiuá, entidade que promove a contratação dos profissionais de saúde para atuarem nas áreas indígenas, e contra a União, que por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), é a concedente do convênio com a ONG e responsável pela saúde e proteção dos índios.


Segundo o procurador do Trabalho Jorsinei Dourado do Nascimento, a audiência pública é importante pois possibilita uma análise da situação ao ouvir todas as partes envolvidas a fim de se chegar a uma solução. “Esperamos que, após esse momento, possamos então estabelecer pelo menos um padrão mínimo de condições de trabalho que devem ser oferecidas, de modo que possamos ponderar o interesse dos trabalhadores e dos povos indígenas”, explica.


Durante a audiência, foram apresentadas informações sobre o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) -Yanomami, como, por exemplo, a infraestrutura dos postos de atendimento e a forma de contratação dos profissionais. Neste ponto, foi esclarecido que no ato da contratação todos assinam um termo de ciência a respeito das condições que vão encontrar nos locais.


O auditor-fiscal do Trabalho, Magno Pillon Della-Flora, explanou sobre a realidade encontrada durante fiscalizações realizadas nos pólos indígenas e que estão documentadas em relatórios de fiscalizações. O documento revela as condições degradantes a que estão expostos os agentes de saúde, como a ausência de locais adequados para exercerem os serviços e a ausência de equipamentos de proteção individual.


O Coordenador Geral de Convênios da Missão Evangélica Caiuá, Demetrius Pareja, define a ONG como um ator complementar do trabalho que vem sendo realizado nas comunidades indígenas e lembra que a entidade é conveniada à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). “A Missão Caiuá não recebe qualquer valor de contrapartida pelo serviço que presta nas comunidades indígenas ao oferecer o principal insumo para os indígenas, que são os trabalhadores da saúde. O serviço é feito com a finalidade de prover trabalho para os trabalhadores e prover a saúde indígena aos indígenas”.


Demetrius Pereja disse ainda que é de responsabilidade da Sesai oferecer melhores condições de trabalho aos profissionais contratados. “As condições nas quais esses trabalhadores vão atuar são de gestão da Sesai. E alguns benefícios que estão sendo discutidos e que são grandiosos com relação a saúde, vai depender das condições financeiras da Sesai para serem implantados”, complementou.


Segundo o Secretário Especial de Saúde Indígena, Antônio Alves de Souza, desde que a Sesai foi criada, em outubro de 2010, já vem sendo feito um trabalho para garantir melhores condições de trabalho nos pólos indígenas. “Temos como meta fazer uma intervenção para garantir condições aos trabalhadores e também para garantir condições de atendimento às comunidades que vivem nas aldeias. Estamos fazendo esse trabalho de acordo com o orçamento que dispomos, que é o orçamento público da União. Queremos e continuaremos melhorando as condições de trabalho, respeitando as culturas indígenas e levando as equipes com conforto para esse trabalho mas, ao mesmo tempo, discutindo, ouvindo e dialogando com as comunidades, pois nós fazemos um trabalho para eles, que são os donos daquele ambiente e território. E para eles é que devemos um atendimento de qualidade. Nesta audiência estamos prestando conta daquilo que já fizemos, assumindo o compromisso que vamos fazer mais, mas sempre afirmando a importância do respeito e dos costumes dos povos que lá moram”, ponderou.


Adelinaldo Cunha, líder indígena inscrito no debate, acredita que ao garantir melhores condições de trabalho aos profissionais da saúde vai refletir diretamente no atendimento prestado aos indígenas nas comunidades.“Para a comunidade receber melhor atendimento, é preciso que os profissionais tenham um espaço adequado. Gostaríamos de oferecer os materiais que os profissionais precisam e não temos, então alguém tem que oferecer”, afirmou.


O assessor para assuntos indígenas do Distrito Leste, Ismael Almeiro dos Santos, ressaltou que os indígenas não são contra a implementação de ferramentas para melhoria do trabalho dos agentes de saúde. “Nunca impedimos a construção de postos de saúde ou instalação de gerador de energia. Nós gostaríamos que a condição de todos os profissionais fosse melhorada, mas a burocracia da Lei não permite pelo fato de estarem nas terras indígenas”, analisou.


Para o analista em antropologia do Ministério Público Federal, Walter Alves Coutinho Júnior, os pedidos do MPT na ação civil pública não enfrentam obstáculos relacionados a cultura indígena. “Prover os profissionais de água, energia elétrica e condições laborais dignas e que atendam as normas, não tem nenhum óbice ou reflexo na cultura indígena. Mas é importante ter a noção de que as comunidades indígenas tem particularidade culturais, como a mobilidade territorial, ou seja, em algumas comunidades, num prazo de 10 anos, dependendo do esgotamento de recursos, a comunidade pode mudar de local, então devem conseguir implementar coisas que sejam adequadas a essa realidade sociocultural”, explica.


Por fim, o Juiz do Trabalho titular da 1ª Vara do Trabalho de Boa Vista, Raimundo Paulino Cavalcante Filho, que conduziu a reunião, explicou que após a audiência pública promovida será realizado novo encontro entre as partes. “Vamos realizar uma audiência judicial, para tratar com as partes, no sentido de chegarmos a uma conclusão. Espero que façamos um acordo para estabelecer a saúde e segurança aos trabalhadores sem que atinja a cultura dos indígenas”, finalizou.

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