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MPT e MPF recomendam a observância de direitos fundamentais dos trabalhadores da piaçava no Amazonas

Operação realizada no município de Barcelos flagrou 13 trabalhadores atuando na extração da fibra em condições análogas às de escravo em abril deste ano

O Ministério Público do Trabalho no Amazonas (MPT 11ª Região) e o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) expediram nesta quinta-feira (29) uma recomendação conjunta com o objetivo de orientar os envolvidos na cadeia produtiva da piaçava para que, durante a exploração da fibra, observem os aspectos referentes à legislação trabalhista e às Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Durante operação conjunta realizada pelo MPT, MPF e MTE, na última semana de abril deste ano, foram resgatados 13 trabalhadores que atuavam na extração da piaçava no município de Barcelos. No local, foi apurado que a atividade produtiva tem adotado o regime de aviamento nas relações de trabalho, submetendo os trabalhadores a condições análogas às de escravo por meio de servidão por dívida, sob condições degradantes.

A recomendação conjunta adverte aos envolvidos na cadeia produtiva da piaçava que o trabalhador não pode ficar vinculado a uma dívida decorrente da relação de trabalho; o desconto pelo fornecimento de alimentação não pode superar o limite de 25% de um salário mínimo, atendidos os preços de mercado na região; o fornecimento de combustível, equipamentos de proteção, instrumentos de trabalho, material de primeiros socorros e outros elementos essenciais à execução do trabalho deve ser gratuito; todo o ônus da atividade empresarial deve ser arcado apenas pelo empregador, o que envolve transporte ao piaçabal, fornecimento de instrumentos de trabalho, equipamentos de proteção e alimentação.

O documento orienta também que os trabalhadores inseridos em uma relação de emprego fazem jus aos direitos trabalhistas previstos no ordenamento jurídico brasileiro, tais como registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), salário mínimo, jornada de trabalho de oito horas diárias e 44 horas semanais, férias remuneradas com pelo menos um terço a mais que o salário normal, 13º salário, repouso semanal remunerado, dentre outros, e também alerta para a necessidade de serem oferecidas condições dignas de trabalho no local de extração de piaçava.

O procurador do Trabalho Renan Bernardi Kalil ressaltou que o objetivo do MPT e do MPF não é que a atividade de extração da piaçava seja proibida, e sim fazer com que ocorra dentro dos parâmetros legais. “Temos conhecimento de que a cadeia produtiva da piaçava é a principal atividade econômica do município de Barcelos e não temos interesse em acabar ou proibir a extração da fibra, apenas estamos trabalhando para que, a partir de agora, seja observada a legislação trabalhista”, afirmou.

Para o procurador da República Julio José Araujo Junior, que também assina o documento, o momento é propício para buscar a superação do modelo de relação de trabalho existente. "A recomendação indica o que não pode ser admitido, em hipótese alguma, na exploração da piaçava. Como estamos num momento de construção de novas relações e de empoderamento dos piaçabeiros e das comunidades tradicionais da região, o documento contribui para deixar claro o que não pode ser tolerado", afirma.

Irão receber a notificação a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS), a Agência de Desenvolvimento Sustentável (ADS), a Secretaria de Estado de Produção Rural (Sepror), o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal do Amazonas (Idam), a Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam), a Secretaria de Estado do Trabalho (Setrab), a Delegacia do Ministério do Desenvolvimento Agrário no Amazonas, a Secretaria de Estado para Povos Indígenas (Seind), a Superintendência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego no Amazonas (MTE/AM), o Instituto de Terras do Amazonas (Iteam), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A medida, segundo os procuradores, é complementar às tratativas que estão sendo atualmente feitas para regulamentar a cadeia produtiva da piaçava e conferir protagonismo aos piaçabeiros nas discussões sobre o exercício da atividade.

O documento também será encaminhado a todos os órgãos públicos municipais, estaduais e federais da região, solicitando-lhes a afixação em local visível e de trânsito livre em suas sedes, bem como encaminhado ao 3º Batalhão de Infantaria de Selva, no Município de Barcelos, solicitando apoio na divulgação junto às comunidades da região.

A Fundação Vitória Amazônica (FVA), a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Cooperativa dos Piaçabeiros do Médio e Alto Rio Negro (Coopiaçamarin), a Associação Indígena de Barcelos (Asiba), as unidades locais do Idam e da Sepror em Barcelos e em Santa Isabel do Rio Negro, o Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami (Secoya), o Instituto Socioambiental (Isa) e todos os demais órgãos e entidades ligados à questão também receberão cópia de recomendação conjunta.

Atuação efetiva - No dia 21 deste mês, o MPF entregou recomendação  a representantes de órgão e autarquias estaduais e federais que atuam nas áreas de meio ambiente, produção rural, trabalho e emprego e política fundiária no Amazonas, para que assumissem compromissos formais, com prazos definidos, no sentido de regularizar a cadeia produtiva da piaçava. A reunião de discussão e entrega do documento contou com a participação do MPT.

Entre as medidas apontadas na recomendação estavam a implementação de obrigações previstas no acordo de cooperação técnica e no plano de trabalho já elaborados e referendados por diversos órgãos relacionados ao setor extrativista no Estado, com a participação efetiva dos trabalhadores da piaçava - os piaçabeiros -, e a concretização da regulamentação do decreto de subvenção da piaçava.

O MPF recomendou ainda a realização de ações permanentes de formação e capacitação dos piaçabeiros, inclusive em relação à conscientização quanto às condições de trabalho nos piaçabais, e a exclusão dos patrões que exploram a piaçava sob o regime de aviamento das tratativas de regularização da cadeia, para não legitimar essa prática ilegal.

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