MPT/RR cobra do poder público condições dignas de trabalho para os catadores de materiais recicláveis
O Ministério Público do Trabalho em Roraima (MPT 11.ª Região), por meio da procuradora chefe Alzira Melo Costa e dos procuradores do Trabalho André Magalhães Pessoa e Safira Nila Rodrigues, cobrou da Prefeitura de Boa Vista, o cumprimento da Notificação Recomendatória N.º 1092/2015 expedida em março deste ano com o objetivo de assegurar condições adequadas de trabalho aos cerca de 200 catadores de materiais recicláveis que atuam no lixão da cidade, situado às margens da BR 174 (rodovia que liga Boa Vista a Manaus no Amazonas). Na manhã desta quinta-feira, 30, a procuradora chefe do MPT visitou pessoalmente a área da lixeira municipal, onde constatou as condições precárias de trabalho de centenas de catadores.
Durante reunião na sede da Procuradoria do Trabalho no município de Boa Vista, nesta quarta-feira, 29, os procuradores do Trabalho comprovaram o descumprimento das recomendações após ouvir os depoimentos dos representantes da Associação Terra Viva, da Cooperativa Unirrenda e da Secretaria Municipal de Gestão Social. Entre as recomendações descumpridas, está a emissão de documentos civis básicos, bem como a construção de estruturas físicas, aquisição de equipamentos para a separação, transporte, comercialização de recicláveis e reutilizáveis, e equipamentos de proteção individual para a realização da coleta seletiva no município pelos catadores.
Durante a visita ao lixão, a procuradora chefe Alzira Costa ressaltou a importância da presença do Ministério Público do Trabalho na luta pela melhoria da qualidade de vida dos catadores. Ela flagrou a exploração de trabalho infantil ao encontrar uma criança, de apenas 09 anos de idade, no local. “É comum encontrar-se crianças levadas por adultos para áreas de risco como lixões, sempre usando a mesma desculpa de que é a primeira vez que o menor está no local”. A procuradora chefe disse, ainda, que cobrará da prefeitura de Boa Vista o controle efetivo do problema. “Essas crianças devem ser levadas para programas de contra-turno escolar e atividades sócio-educativas, inclusive esta é uma das recomendações da notificação”.
Há oito meses no local catando garrafa pet e latinhas de alumínio, Kleber Bento, 47, informou que, quando consegue uma boa venda, ganha 30 reais por dia, renda da qual tira o sustento da família de 11 pessoas. “se eu passar a noite catando latinha, eu consigo uns 30 reais, já que vendo o quilo por dois reais para o atravessador”. Hoje, muitas famílias sobrevivem da coleta de materiais recicláveis e moram no lixão, onde ficam expostas aos mais diversos riscos de contaminação, ao serem obrigadas a disputar restos de alimentos com animais, e de sofrerem acidentes. Faltam higiene e segurança.
Na Associação Terra Viva, dos cerca de 150 catadores associados, mais de 80% vivem no lixão. Para o presidente da entidade, Antônio Domingos de Oliveira, 30, a situação poderia ser diferente se existisse interesse do poder público em ajudar. “Em cima do lixão, os catadores estão em situação de extrema dificuldade, trabalhando para ganhar uma miséria porque não conseguimos tirar o material do local, pois não temos caminhão exclusivo e nem onde armazenar”, relatou Antonio, durante a audiência. Ele explica que a falta de transporte exclusivo dificulta a atividade.
Os catadores da referida associação alternam o uso de um caminhão cedido pela Prefeitura com a cooperativa Unirrenda. “Não temos como fazer contratos com supermercados, por exemplo, para fazer a coleta dos resíduos, porque não temos dias certos para usar o caminhão, mas com um veículo adequado e exclusivo para a associação e outro para a cooperativa, poderíamos recolher todo o resíduo gerado não só pelos supermercados”, ponderou.
Janaína Lira do Nascimento, 30, presidente da cooperativa Unirrenda relata um pouco do cotidiano dos catadores. Sem a devida seleção dos resíduos gerados pela população, ou seja, sem a coleta seletiva, tudo vai parar direto no lixão da cidade. “A população joga todos os resíduos juntos, é animal morto, lixo hospitalar e nós trabalhamos lá sem equipamentos de proteção individual (EPI´s).”
O problema não pára por aí. Todos os vinte e oito cooperados da Unirrenda, também, moram no lixão. Segundo Janaína, há alguns anos uma família perdeu o filho de 12 anos. “A criança estava dormindo embrulhada em um papelão quando o trator passou por cima”, relembra a catadora.
O procurador do Trabalho André Pessoa afirma que a situação pela qual passa hoje os catadores não pode permanecer como está. “Observa-se um absurdo descaso com a situação de catadores e de duas famílias no lixão de Boa Vista. A falta da implementação das exigências mínimas da Política Nacional de Resíduos Sólidos no município tem acarretado grave violação dos direitos mais básicos dessas pessoas, malferindo o direito à saúde, à moradia, ao trabalho e, em suma, a uma existência digna. Isto precisa de um basta”, desabafou o procurador.
“O Ministério Público do Trabalho está trabalhando árdua e incansavelmente para implementar a coleta seletiva no município de Boa Vista e, por consequência, promover a inclusão social dos catadores, sem ouvidar ainda de tomar as medidas cabíveis contra o trabalho de crianças e adolescentes no lixão, o que vilipendia direitos fundamentais como o da proteção integral e o da prioridade absoluta esculpidas no texto constitucional”, finalizou a procuradora do Trabalho Safira Nila.
O assessor técnico sócio-ambiental da Secretaria Municipal de Gestão Social Luis Felipe Gonçalves, afirmou que acompanha a causa dos catadores de material reciclável desde 2006. Ele garantiu que a prefeitura de Boa Vista irá cumprir todas as recomendações do MPT “Hoje nós promovemos ações sociais denominadas de jornadas de mobilização. Já fizemos duas jornadas uma com a presença de catadores de São Paulo que vieram repassar a experiência de lá e outra jornada em março passado quando promovemos o recadastramento dos catadores e a expedição de documentos civis. Estamos com uma programação de cursos relacionados ao combate ao trabalho infantil e a segurança do trabalho até parta cumprir o que diz a notificação recomendatória do MPT”, disse o assessor.