“Missão a Roraima”: primeiro dia foi marcado por levantamento da situação dos venezuelanos em Boa Vista
A “Missão a Roraima”, organizada pela procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF) e Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público do Trabalho (MPT) e um coletivo de organizações da sociedade civil ( 8 a 10 de março de 2017), para conhecer o processo migratório dos venezuelanos para o Brasil, teve o seu primeiro dia marcado pela ausência da prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (PMDB), na reunião programada no auditório da prefeitura da prefeitura.
O Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto, João Akira Omoto, líder da missão, explicou aos secretários municipais de Boa Vista presentes que a motivação da ação é compreender e monitorar a questão migratória em Roraima, estabelecendo um diálogo com as autoridades locais, possibilitando, assim, que se construa soluções conjuntas. “É importante dizer que quando a gente traz representantes da Polícia Federal, da Defensoria Pública da União e do Trabalho, Ministério Público Federal, é de criar uma pauta de Direitos em conformidade com o que estabelece a Constituição Federal”, destaca Akira. Para o procurador, é preciso encontrar outra solução que não seja a deportação das pessoas para seus países de origem. “Para isto trouxemos para cá as pessoas especializadas nessa matéria para que, juntos, possamos construir alternativas”, observou Akira, reportando-se a ações de 2016, quando foi usada a deportação como solução para a questão migratória.
Outro aspecto abordado foi a ausência de política pública do município direcionada aos indígenas venezuelanos. Para o procurador Federal da República em Roraima, José Gladston Viana Correia, que atua na defesa dos direitos indígenas, os diversos órgãos do município ainda não captaram a importância da sua participação na problemática dos venezuelanos e, em especial, dos indígenas daquele país. Ao indagar ao município o que estava fazendo em relação aos indígenas, a respostas foi que estava encaminhando-os à Polícia Federal. “Se essa é uma assistência social, teremos então que rever a Constituição Federal, ela não traz isso como assistência social”, analisou.
Posição do município
Presente na reunião, a Procuradora-Geral do Município de Boa Vista, Marcela Medeiros, destacou que a não regularização dos imigrantes, em especial os indígenas, provoca dois problemas: “na educação não conseguimos cadastrar no sistema escolar que estamos atendendo a criança, portanto, a União não repassa verba referente a esse aluno. Na saúde é a mesma questão: ao atender um estrangeiro irregular não é possível cadastrar no Sistema SUS. Isso significa que o município faz o atendimento e não é remunerado por isso”, explica.
Aproveitando a presença de representante do Ministério Público do Trabalho (MPT), Marcela alertou que os trabalhadores em situação irregular estão trabalhando no mercado privado e os empregadores não estão recolhendo a contribuição social, nem outros tributos referentes a esse trabalhador.
“E quem atende esse trabalhador no Posto de Saúde é o município”, destaca Marcela, relatando a todos os presentes que o município não tem condições financeiras de assumir a responsabilidade de atendimento integral dos venezuelanos, sendo ilegais no país.
A situação é mais complexa quando se refere ao atendimento na sala de aula. A Secretária Municipal de Educação e Cultura, Keila Thomé, revelou que as criança na faixa etária de 6 a 10 anos não falam português. As professoras procuram falar mais devagar e isso compromete a aprendizagem das crianças brasileiras. Isso tem levado a constantes reclamações dos pais à coordenadora pedagógica.
Um novo olhar
Diante dos relatos, Ângela Maria de Melo, representante da Central Única dos Trabalhadores-CUT, membro da “Missão a Roraima”, se manifestou dizendo que a questão indígena é duplamente questionada na sua essência: É direito do cidadão cobrar (pois estava com sua vida organizada), mas é dever do gestor implementar política pública, e não é só o município de Boa Vista, é o Estado brasileiro. “Então as colocações que eu ouvi hoje à tarde pareceu que não pode ser a verdade. Ela pareceu o seguintes: a gente dá um atendimento ali, dá um atendimento acolá, mas, de boa, de boa, nós não queremos esse povo aqui no nosso município. A gente precisa olhar com outro olhar, um olhar humanitário. Trago essas colocações e preocupações”, desabafou Ângela.
Ao fazer o balanço final da reunião, o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto, João Akira, ressaltou que o olhar precisa ir além do que está exposto. Declarou ainda que entende perfeitamente as colocações dos gestores, mas que pra todas elas há solução.
“Vocês tem uma cidade linda, organizada, e acho que é possível trabalhar para Boa Vista continuar a ser uma cidade acolhedora. Os desafios são esses, quando se fala em todas as políticas públicas de acolhimento, de abrigamento, de assistência, elas são complementares, há uma transversalidade, ela não é só de educação, nem só de segurança, de saúde, mas são políticas transversais que vão precisar obviamente ser construídas nessa perspectiva, com auxílio dos demais órgãos da federação, do estado, da união, enfim e com expertise de muitas instituições que podem colaborar”, finalizou Akira.